Professor Leandro Bravo

CAPÍTULO 8 – Sem forças para continuar

CAPÍTULO 8

 

Sem forças para continuar

 

Ao chegarem na Cidade Edificada sobre o Monte, no cair da tarde, os peregrinos ficaram encantados com a beleza e a paz existentes no lugar.

As casas eram bem construídas com fachadas ornadas de pedras naturais em diversos tamanhos, além das portas altas e janelas largas com cortinas bordadas à mão. As moradias não tinham muros, mas contavam com quintais abertos, onde animais de estimação brincavam em meio às crianças.

As pessoas que caminhavam pelas ruas eram gentis. Todos cumprimentavam-os. E quando perguntaram a respeito do Vale das Revelações, que ficava atrás do monte da cidade, onde poderiam encontrar as folhas medicinais, disseram a eles para procurarem por um velho mensageiro do Rei que habita nos céus, chamado Ezequiel. 

Pois este mensageiro sempre ensinava a todos qual seria a melhor forma de chegar ao local.

Assim, eles deixaram Ventania e Amizade em uma estalagem e na sequência pegaram um táxi. Após vinte minutos dentro da charrete, pararam às portas da morada de Ezequiel. Porém, no momento em que Aladar ía bater na porta, o velho mensageiro gritou de dentro da casa:

— Podem entrar. Está aberta!

Do lado de dentro eles depararam-se com um homem idoso sentado em uma cadeira de balanço. Quando ele encarou os visitantes, todos perceberam que haviam névoas brancas sobre os seus olhos.

— Precisamos encontrar as folhas medicinais — disse Aladar sem perder tempo —, Cecília está morrendo e Isla ficando cega.

— Algumas vezes é preciso perder um pouco a visão dos olhos para que a alma possa enxergar com maior clareza — respondeu o idoso dirigindo-se à Isla.

Depois prosseguiu:

— Vocês não vão encontrar o lugar a esta hora, pois já está tarde. Me procurem amanhã assim que nascer o sol no portão dos fundos da cidade.

— Desculpe, mas… temos muita, muita pressa — insistiu Aladar.

— Eu entendo filho, acredite! Mas devo guiar vocês somente amanhã pela manhã.

— Então pelo jeito teremos que esperar — disse Átila caminhando em direção à porta. Depois virando-se, colocou a mão sobre o peito esquerdo e agradeceu: — Obrigado.

Mas Aladar contraiu o rosto enquanto Cecília lhe abraçava.

— Não quero esperar mais. Vou piorar de madrugada… — disse a menina com medo.

Isla, então, interrompeu-a com um tom de voz tão doce que até arrancou suspiros de Cecília.

— Nós estamos na mesma embarcação, Cecília. Por isso, iremos pisar em terra firme juntas e de mãos dadas amanhã de manhã. Você pode esperar comigo? Nós dormiremos no mesmo quarto esta noite, o que acha?

Cecília acenou positivamente com a cabeça. Ela sentia muita falta de sua mãe, Dona Armênia. Porém, desde o momento em que conheceu a princesa, o seu coração jovem tranquilizou-se. Ter uma moça por perto fazia-a lembrar-se de como era quando Clara ainda estava viva. E a forma como Isla lembrava Clara era algo que impressionava. Não na aparência física propriamente, mas no modo de agir.

***

Na manhã seguinte, quando as duas novas grandes amigas acordaram, depois de uma madrugada inteira de conversas interessantes que foram da Vila da Humildade ao Reino da Benignidade revelando vários aspectos de seus passados, elas concordaram em visitarem o quarto ao lado.

Logo, estavam batendo na porta do cômodo de Aladar. Mas foi Nestor quem abriu com ar de preocupação.

— Aladar ficou doente. Vocês acreditam? Já fui até a recepção e pedi a visita de um médico.

Portanto, o médico chegou naquele instante e entrou no quarto logo depois delas. E após examinar o rapaz que tremia dos pés à cabeça, além de não ter forças sequer para sentar-se na cama, ele balançou a cabeça e disse:

— Sinceramente, não faço ideia do que está acontecendo com ele.

Isla, então, percebeu aliviada que Átila tinha chegado à porta do quarto.

— O que foi princesa? — perguntou o guarda andando na direção de Isla com a barba feita e seu arco e flecha pendurado nas costas.

Entretanto, foi o médico quem respondeu-lhe:

— Bem, não sei precisamente o que ele tem… Mas conheço algumas ervas terapêuticas que podem ajudar. Tratei de um caso parecido no mês passado… o paciente só melhorou depois de tomar um chá com estas ervas.

— Doutor, onde podemos consegui-las? — perguntou Isla esfregando as mãos umas nas outras.

— Não tenho mais, infelizmente… — respondeu o médico. — Mas sei onde vocês podem colhê-las. O lugar fica a meia hora daqui. É preciso subir um pouco a montanha no sentido oeste.

— Eu posso ir buscar — prontificou-se Átila.

— Não, não… — respondeu Aladar gemendo. — Preciso acompanhar Cecília… e Isla… até o vale das revelações.

— Mas como? Se você nem consegue andar? — questionou Nestor. — Aladar, acho melhor o guarda Átila ir buscar as ervas.

— O garoto tem toda a razão — concordou o médico. — Acredito que esta seja a única forma de tratá-lo.

Ouvindo isso, Aladar fez um grande esforço para levantar-se, mas percebeu que seria inútil. Pois, parecia que não havia mais uma só gota de energia em seu corpo.

— Vai depressa Átila — pediu Isla.

Átila estranhou o desespero que a princesa expressava, porém admitiu ir. Assim, depois de receber instruções detalhadas do médico, saiu, depressa, em busca das ervas. 

Na sequência, o médico pôs um remédio para a dor debaixo da língua de Aladar, cobrou a consulta e foi embora.

— O sol já nasceu — disse Aladar olhando através de uma janela que estava aberta. — Vocês precisam ir encontrar o mensageiro do Rei

Neste momento, Cecília abraçou-o molhando seus ombros com lágrimas.

— Posso levar sua espada? — perguntou Nestor imaginando que pudesse ter que defender Cecília e a princesa de algum perigo.

— Eu não te ensinei como usá-la? Então leva — concordou o soldado da Vila da Humildade.

Assim, os três partiram para encontrarem o mensageiro. Nestor carregou a espada, mas se esqueceu do escudo que estava dentro da mochila.

***

Após trinta minutos dentro de um táxi-charrete, Cecília, Isla e Nestor, finalmente, encontraram Ezequiel junto à porta dos fundos da cidade.

Sem demora, todos desceram o monte, caminhando por mais vinte minutos até o Vale das Revelações. Depois, ainda continuaram por mais dez minutos, alcançando, assim, uma rocha que ficava ao lado de um pequeno riacho de águas cristalinas.

Neste lugar, soprava uma brisa agradável que balançava suavemente as folhas do arvoredo trazendo consigo um aroma fresco e doce.

— Eu fico bem aqui! — disse Ezequiel finalmente.

— E você deve voltar comigo para a cidade — continuou o profeta referindo-se a Nestor.

— Mas… mas por quê? — perguntou o garoto confuso.

— Só quem realmente precisa das folhas medicinais deve procurá-las.

Por um momento Nestor não soube o que dizer. Cecília e Isla, tão surpresas quanto ele, também permaneceram em silêncio.

— Eu preciso ir… preciso muito ir — retrucou Nestor recobrando sua capacidade de raciocinar com clareza.

— E posso saber por que se você não está doente? — insistiu Ezequiel.

— Porque não posso voltar sem minha amiga… não posso perder Cecília! — respondeu.

Subitamente, o garoto sentiu-se envolvido em um abraço carinhoso. Logo percebeu que eram os braços finos e ressecados de Cecília ao redor dele. Neste momento, Nestor, mais uma vez, concluiu que sequer era capaz de imaginar ficar sem ela.

— Eu entendo — concordou Ezequiel sorrindo. — Se é assim, você deve ir também. Mas ouçam… somente aqueles que confiam no Rei Celestial podem chegar às árvores benditas e comerem as folhas restauradoras. De outra forma, o jardim ficará oculto aos olhos.

Então, os três peregrinos garantiram que confiavam inteiramente no Rei e despediram-se do velho mensageiro, porém ele tinha mais a dizer:

— Esperem um pouco… Eu ainda não disse tudo. Ontem de madrugada, tive um sonho, o qual acredito ser uma revelação… ainda que confesse… me senti perturbado… pois sabia que vocês deveriam procurar as árvores somente hoje pela manhã…

— E por que você ficou perturbado? — interrompeu Isla.

— Porque em meu sonho… presenciei a morte de uma ovelha. E esta ovelha bem pode representar um de vocês três.

Isla cobriu sua boca e nariz usando as duas mãos em sinal de espanto.

— Mas ouçam… depois tive outro sonho… que parecia ser continuação do primeiro. Nele, via um homem afogando-se enquanto debatia-se nas águas de um rio, porém, apesar do seu esforço, ele afundava mais e mais. No entanto, em seus últimos suspiros, ele clamou ao Rei com plena certeza de fé. Surgiu, então, uma mão que puxou-o até a margem e o salvou.

Os três haviam ficado pasmos com o relato de Ezequiel.

— Mas o que significa tudo isso? — perguntou Isla. 

— Bom… significa, principalmente, que a fé verdadeira no Rei que habita nos céus pode alcançar milagres. Não esqueçam-se disso.

— Vamos nos lembrar… — respondeu a princesa enquanto esforçava-se para entender as revelações que tinha acabado de ouvir.

Assim, mesmo com medo, Isla, Cecília e Nestor separaram-se do sábio e seguiram pela direção que ele havia apontado em busca das folhas medicinais.

Eles clamavam ao Rei enquanto caminhavam, pedindo que Cecília e Isla fossem curadas de suas doenças.

***

Passou-se mais de uma hora, no entanto, e Átila ainda não havia retornado com as tais ervas.

Sentindo-se incapaz enquanto estava deitado naquela cama, Aladar pensava em Cecília fragilizada pelo enferrujamento e também em Isla enxergando menos a cada dia. Tudo o que ele mais desejava neste momento era estar com elas.

Aladar, neste estado, passou a conversar com o Rei que habita nos céus. Declarou a Ele o medo que atemorizava seu coração e tudo o que não era capaz compreender sobre a sua vida. Mas, conforme os minutos passavam sua aflição só aumentava.

Portanto, enquanto falava com o Rei e refletia sobre os últimos acontecimentos passou a notar o quanto estava sendo covarde. Afinal, havia lutado muito bem com a força de seus braços, mas sua fé não estava sendo usada como deveria.

Assim, lembrou-se de que não havia pedido para que o Soberano curasse Cecília, apesar de ter suplicado para que eles encontrassem as folhas medicinais. “Mas por que não havia pedido pela cura?” perguntava-se. “Por acaso existe algo que seja impossível ao Rei dos céus?”. 

Desse modo, ele cansou de sentir medo e tomou a decisão de confiar no Rei Celestial.

Por meio de um grande esforço conseguiu sentar-se na cama. Depois, olhando para o teto do quarto, Aladar, com os olhos da fé enxergou o Rei em seu trono.

Ó Soberano Rei, perdoa a minha incredulidade. Sei que atende aos teus filhos, segundo a tua vontade, mas percebo também, agora, que a mim cabe crer… sempre confiar em Ti… eu confio em Ti… e no teu poder… cura-me nesta hora, peço-Te.

Então, Aladar sentiu seu corpo arder. E ainda que não visse fogo, as chamas atravessavam, principalmente, seu braço direito e seu ventre. Esta experiência durou apenas poucos segundos, mas quando terminou o soldado colocou-se de pé totalmente restaurado e agradeceu ao Rei.

Depois, pegou a mochila, foi até a estrebaria da pousada, e montando em Ventania voou direto para o Vale das Revelações.

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