Professor Leandro Bravo

CAPÍTULO 9 – O Vale das Revelações

CAPÍTULO 9

 

O Vale das Revelações

 

A princesa e os adolescentes caminhavam cada qual carregando sua esperança através do vale. Isla encorajava Cecília enquanto que sua expectativa em encontrar as folhas medicinais a qualquer momento só aumentava

Entretanto, Nestor havia ficado profundamente pensativo nos últimos minutos.

— Olha Isla… — disse o garoto torcendo a boca — tem uma coisa que está me incomodando.

— O que? — perguntou a princesa enquanto parava para descansar um pouco.

— Como foi mesmo que você se perdeu do seu pai?

Depois eu te conto. Não podemos perder tempo devemos continuar andando. A febre de Cecília pode voltar de repente.

— Mas… você e seu pai foram atacados na Vila da Mansidão, certo? — insistiu. — Mas como eles sabiam quem eram vocês? Já que viajavam secretamente disfarçados como camponeses. 

— Eu não faço ideia. Fomos surpreendidos. Acredito que tenha sido um ataque aleatório. A Vila inteira estava sendo assaltada naquele momento. É como dizem… estávamos no lugar errado e na hora errada.

— Mas te perseguiram até fora da vila — argumentou Nestor. — Você não acha que poderia ser o alvo deles? Quer dizer que eles tenham invadido a vila atrás de você?

— Onde quer chegar com isso? — perguntou a princesa sem esconder o nervosismo.

Cecília que estava de mãos dadas com Isla, neste instante, soltou a mão dela e passou a encará-la com expressão desconfiada. O vento, então, soprou forte através do vale fazendo a espinha da menina gelar.

— Agora tudo faz sentido… — disse Nestor como se finalmente houvesse entendido toda a equação. — O tempo todo era você…

— O que… o que era eu o tempo todo Nestor? Me explica logo — disse a moça desesperada.

Mas quando ele abriu os seus lábios ficou imediatamente paralisado. Pois sentiu a ponta afiada de uma flecha tocar levemente suas costelas. Olhando para o lado, deparou-se com o guarda Átila empunhando a lança da flecha como quem fosse furá-lo a qualquer momento.

— Princesa… o tempo todo era você quem Átila queria raptar… Você era o alvo… desde a Vila da Mansidão — disse o menino assombrado. 

— Ora Nestor… — disse Átila em tom de sarcasmo. — Ela não era bem um alvo, você que é um alvo. Ela está mais para uma recompensa. 

Isla levou a mão à boca e ficou paralisada como se fosse uma estátua de pedra. 

Mas Nestor sem importar-se com o bico da lâmina encostado em seu corpo, virou-se, olhou nos olhos de Átila e continuou a apresentar sua linha de raciocínio:

— Você foi o único dentre os guardas que apareceu para contar história… claro! Deve ter assassinado os seus companheiros, contratado os salteadores e o gigante, e quando percebeu que o dragão iria matar a princesa… então, deixou de esconder-se e entrou em cena para salvá-la.

— Eu reconheço que você é muito esperto. Mas não era para termos chegado nesta situação. Ela teria sido sequestrada ainda na Vila da Mansidão, e pouco depois, eu a resgataria. O plano era perfeito. Entretanto, você e o impostor do seu irmão tinham que cruzar o nosso caminho, não é mesmo?

— O que você fez com meu pai seu… seu miserável?! — gritou a princesa caindo sentada no chão, pois havia perdido as forças no momento em que imaginou seu querido pai assassinado pelas mãos de Átila. 

Átila, então, fitou a princesa apavorada.

— Você acha mesmo que sou um vilão, Isla? Nunca fui uma pessoa má. Só não tive outra escolha. Seu pai está bem. Dei ordem para pouparem a vida dele. Também poupei a vida dos guardas que aceitaram suborno, somente os “inflexíveis” perderam suas vidas na Vila da Mansidão.

— Nãaaaao! — Isla soltou um grito abafado.

— Para com esse drama princesa! Vamos fazer um acordo. Você vem comigo sem resistir e eu deixo eles viverem — disse Átila raivoso enquanto tomava a espada que pertencia a Aladar da cintura de Nestor.

Depois, ele armou seu arco e flecha contra Cecília, a qual estava de pé com os olhos fechados conversando com o Rei Celestial em pensamento.

Então Isla concordou. E andando lentamente, trocou de lugar com Nestor, o qual mesmo contra sua vontade, fez o que Átila desejava. Pois percebeu que não poderia enfrentá-lo sozinho. Assim, o menino aproximou-se de Cecília e segurou em sua mão.

— Não tente nenhum truque — advertiu Átila dirigindo-se a Nestor. — E sabe… você só esqueceu de uma parte importante da história… Fui eu quem envenenou seu irmão. Ele sentiu a agulhada da farpa tóxica quando apertou minha mão no dia em que nos conhecemos.

Ao escutar isso, o garoto fez o movimento de quem iria pegar a espada na cintura. Mas, a arma já encontrava-se em poder de Átila.

— Nestor… ajude Cecília a encontrar as folhas medicinais. Tenham fé — pediu Isla antes ser arrastada dali. 

Mas assim que Cecília ficou só com Nestor, a menina disse:

— Não estou me sentindo bem… um pouco enjoada.

A menina, após isso, dobrou os joelhos e caiu. Mas Nestor amparou-a, deitando-a em seu colo, assim, percebeu que ela começava a arder de febre.

— Aguenta firme Ciça. Nós iremos conseguir — disse desesperando-se.

Mas Cecília desmaiou em seus braços fazendo-o recordar-se de uma cena triste presenciada anos atrás. Ele lembrou-se de Clara deitada sobre o colo de Aladar, desacordada e ardendo em febre, instantes antes dela morrer. 

Nestor, então, chorou.

***

— Por que você fez isso Átila? Me diga por quê? — questionou a princesa atordoada com tudo o que estava acontecendo, enquanto caminhava ao lado do guarda.

— Você não percebeu, não é mesmo? Mas é claro que não! Eu sempre te amei Isla… mas que chance teria um guarda do reino em casar-se com uma mulher da linhagem do rei? Em nossa sociedade as princesas tem o direito de escolher com que vão se casar, mas você nunca me escolheria.

— Nunca percebi que você me amava… nunca.

— É porque estava ocupada demais participando de todos os eventos no castelo… e sendo uma princesa mimada, como iria reparar em mim? Eu não tinha a menor chance.

— Onde você está me levando? — perguntou Isla angustiada.

— Deixei um cavalo voador amarrado em uma árvore junto ao rio. Iremos fugir para as cavernas das montanhas oscilantes.

— Não precisa fazer isso… — argumentou Isla com esperança. — Você ainda pode fazer a coisa certa. Me solta… Eu nunca havia percebido traços de maldade em você antes.

— Um dia irá entender tudo — respondeu o guarda. — Sabe… quando Vossa Alteza começou a perder a visão, então, eu passei a ter a ilusão de que… uma princesa cega, enfim, poderia querer casar-se com um guarda real. Mas aquelas cozinheiras fofoqueiras tinham que lhe falar sobre as tais folhas medicinais. Entretanto, quando soube que você sairia do reino disfarçada como uma camponesa, percebi claramente que esta seria a minha grande chance… a melhor que teria de me tornar um herói para você, casar com você e quem sabe até governar ao seu lado algum um dia.

— Isso não é amor — respondeu Isla indignada. — Queria que eu ficasse cega pelo resto da minha vida, sem poder enxergar todas as coisas bonitas a minha volta, e tudo isso só para conseguir se casar comigo. 

— Só estou concordando com o mensageiro Ezequiel — disse Átila com um sorriso cínico. — “Às vezes é preciso perder a visão dos olhos para enxergar melhor com a alma”, não foi o que ele disse? Neste caso… para você ser capaz de me enxergar. Mas ouça… o barulho das águas!

Os dois caminharam entre as árvores úmidas da margem do rio chegando até o cavalo alado que o guarda havia deixado preso ali a fim de fugir com Isla.

No entanto, enquanto ele ainda estava desamarrando o animal, ouviu um bater de asas aproximar-se. O guarda, então, mandou a princesa esconder-se atrás de uma árvore. 

Logo, Átila conseguiu avistar Aladar sobrevoando o vale montado em Ventania. Assim, ele armou o arco e apontou a flecha na direção de Aladar. Isla ainda correu e puxou-o pelo ombro na tentativa de impedi-lo, porém não adiantou.

— Aladaaaaaar! — gritou a princesa desesperada a fim de avisá-lo sobre a flecha lançada em sua direção.

Aladar virou o pescoço depressa e ainda chegou a ver Isla, porém, já era tarde. Pois ponta da lança atingiu o antebraço de Ventania, bem próximo do codilho. Portanto, o cavalo relinchou alto e, depois, passou a perder altitude. Por fim, cavalo e cavaleiro caíram no rio de águas frias, bem na curva do leito, desaparecendo por detrás das árvores.

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