CAPÍTULO 1 – Cecília ainda pode ser curada

CAPÍTULO 1

 

Cecília ainda pode ser curada

 

Aladar, olhando para cima, vislumbrava uma cena incrível. O tipo de coisa que jamais deixaria de impressioná-lo: a figura distante de um cavalo alado batendo suas asas enquanto deslizava suavemente pelos céus.

Montado nele havia um cavaleiro um tanto desajeitado. Pois demonstrava dificuldade em equilibrar-se sobre o gracioso animal a cada pequena mudança de direção, quando inclinava-se demais para a direita ou para a esquerda.

O cavalo aproveitava as fortes rajadas de vento a fim de ganhar velocidade.

O relógio, agora, marcava meio-dia em uma das principais torres na Vila da Humildade. E o soldado Aladar, acompanhado de seu irmão mais novo, Nestor, desfrutava de mais um dia de folga. 

Os dois caminhavam até o mercado a pedido de Ana, mãe dos jovens. Mais cedo, ela havia insistido para que eles saíssem e comprassem um ingrediente essencial à sopa do jantar: um pacote de sal extraído das Montanhas de Páprica.

Conforme o cavalo voador aproximava-se deles, realizava pequenos mergulhos no ar, perdendo altitude, até enfim, pousar bem próximo de ambos, levantando uma nuvem de poeira sufocante.

Logo, o mensageiro saltou de cima do enorme animal dirigindo-se a Aladar.

— Trouxe um recado urgente para você.

— O que está acontecendo? — perguntou o rapaz em voz alta, acreditando tratar-se de uma convocação para o serviço militar.

— Dona Armênia pediu que você vá, ainda hoje, até a casa dela. Cecília está de cama!

Após ouvir esta notícia, Aladar estremeceu de tal modo que até mesmo o cavalo percebeu.

— Você me levaria até a casa dela? — perguntou o soldado ansioso. — Eu pago uma moeda de prata pela carona!

— Claro! Pode subir.

Assim, enquanto montava no imponente animal alado, Aladar disse a Nestor:

— Compra o sal que a mãe nos pediu e depois volta direto para casa.

No entanto, Nestor não obedeceu. Ao invés disso, disparou em direção à casa de Dona Armênia ao mesmo tempo em que o cavalo distanciava-se do solo batendo suas felpudas asas energeticamente.

Nestor era um garoto magro, de pés ligeiros e raciocínio rápido. Ele havia completado 12 anos de idade há uma semana. Corajoso por natureza, costumava ser impulsivo em momentos críticos, sendo este um de seus defeitos mais notáveis. 

Toc, toc, toc. 

As batidas na porta de Dona Armênia foram dadas pela mão nervosa do garoto de 12 anos. Neste momento, seu irmão mais velho procurava uma moeda de prata no saquitel para pagar o mensageiro.

Dona Armênia abriu a porta, esperou Aladar, e depois colocou os dois para dentro de casa.

— Acho que nunca… corri tão rápido — disse Nestor retomando o fôlego gasto pelo trajeto. — O que aconteceu… com minha amiga?

Nisto, Dona Armênia olhou, tensa, nos olhos de Aladar.

— Querido… venha ver depressa.

Assim, ela subiu as escadas na frente. Aladar e Nestor percebiam-se envolvidos em uma atmosfera de suspense enquanto a angústia deles aumentava degrau por degrau. O tempo parecia gotejar vagarosamente, até que, finalmente, todos entraram no quarto de Cecília. 

O cômodo continha duas janelas de vitrais com mosaicos repletos de recortes multicoloridos. Cada fragmento de vidro transformava o sol lá de fora, em raios de luzes azuis, verdes, laranjas e violetas aqui dentro.

Debaixo de um dos arcos íris projetados através das janelas havia uma cama bem acolchoada, e sobre ela, a encantadora figura de uma adolescente.

Cecília virou-se imediatamente após a entrada dos visitantes.

Seu rosto arredondado, mesmo com aparência cansada, não deixava de ser bonito. Seus cabelos volumosos, em tom loiro escuro, encontravam-se totalmente desalinhados e seus grandes olhos castanhos estavam quase derramando lágrimas.

— Aladar! — exclamou a garota passando a chorar.

O soldado aproximou-se prontamente, Cecília mostrou seus pés e Aladar tomou um susto enorme. Um choque que levou-o a reviver lembranças amargas.

Os pés de Cecília estavam cheios de manchas avermelhadas. E ele sabia que este era o primeiro sintoma do “enferrujamento”.

Três anos atrás, Aladar havia sido noivo de Clara, irmã mais velha de Cecília. E ela havia morrido justamente por conta da doença do enferrujamento. 

A doença matou-a em menos de uma semana. As manchas de Clara começaram nos pés, porém, rapidamente subiram para as canelas. Ela apresentou febres intermitentes. Sua pele ressecou e o cabelo caiu. Enfim, a moça perdeu toda a sua formosura antes de morrer nos braços de Aladar. 

O fato é que ele amava-a profundamente. Tão profundamente quanto é possível amar uma mulher. E amou-a ainda mais, com o coração apertado, enquanto testemunhava o seu sofrimento.

Na época, Aladar e Clara rogaram ao Rei que está nos céus pela cura desta enfermidade. Tratavam-se de dois crentes fervorosos, cheios de fé, que sonhavam em se casar. Mas, enfim, Clara morreu e Aladar teve dificuldades em aceitar.

— Minha menina só tem 13 anos, Aladar! — disse Dona Armênia. — Quando perdi Clara, ela já tinha 19. O que farei sem minhas filhinhas?

O jovem soldado olhou-a nos olhos. Mas estava distante, perdido em um redemoinho de pensamentos.

Dona Armênia, então, ficou estática observando-o. Aladar possuía aparência agradável. Tinha o rosto fino, cabelos e olhos castanhos. Tratava-se de um jovem introvertido, mas sempre corajoso.

— Sei de um jeito… um jeito de curá-la. — respondeu Aladar finalmente. — Precisamos ir até a Cidade Edificada sobre o Monte. Atrás do monte da cidade poderemos encontrar as famosas folhas medicinais. Ouvi dizer que algumas árvores de lá… as quais são cultivadas por seres resplandecentes que vem do Reino das Alturas, produzem folhagens com propriedades capazes de curar qualquer tipo de doença.

Logo, o semblante de Dona Armênia reacendeu-se.

— E… se algum dos seres resplandecentes que guardam o local, nos derem uma só folha dessas árvores — continuou o rapaz  —, então Cecília será restaurada.

Com os olhos lacrimejantes, Dona Armênia acenou positivamente com a cabeça.

Neste momento, Nestor que até então estava neutralizado pelo terror do momento, voltou a ser Nestor, e foi abraçar sua amiga de aventuras.

Em seguida, Aladar aproximou-se novamente da menina, ajoelhou ao lado da cama, olhou dentro dos olhos dela, e fez uma promessa:

— Partiremos ainda nesta madrugada. Iremos viajar o mais rápido possível para a Cidade Edificada sobre o Monte… em busca da sua cura!

As palavras do jovem soldado foram bem recebidas no coração de Cecília, por isso, a adolescente, mesmo aflita, foi capaz de expressar um sorriso esperançoso iluminado por um raio de luz azul vindo do vitral na janela.

* * *

No desenrolar do restante do dia ocorreram todos os preparativos para a viagem. 

Aladar e Nestor foram para casa e de lá trouxeram sua mãe para fazer companhia à Dona Armênia, pois a senhora não viajaria junto com eles (a mãe de Cecília tinha pavor de voar à cavalo). 

Os três peregrinos fariam esta jornada montando dois cavalos alados. Afinal, as viagens com equinos alados são até quatro vezes mais rápidas do que as viagens com equinos comuns.

Assim, duas horas da manhã, todos deram as mãos e rogaram ao Rei que está nos céus suplicando que Ele guiasse-os em segurança até as folhas medicinais. Que eles fossem bem recebidos pelos seres celestiais. E ainda, que não levasse Cecília, como aconteceu com Clara, antes, que ela continuasse na companhia deles por muitos e muitos anos ainda. 

Após a despedida, eles partiram com pressa.

Nestor montava Amizade. Uma égua alada de porte robusto, com pelagem marrom, e que além do menino, carregava também as bagagens.

Já Aladar havia amarrado Cecília em suas costas, pois a menina estava bastante febril no momento, e os dois cavalgavam sobre Ventania, um macho negro de asas compridas.

Quando saíram o céu encontrava-se totalmente nublado. O que tornava a noite ainda mais escura. Por isso, Aladar optou em iniciar a jornada a galope, esperando para voar com os cavalos somente após o nascer do sol.

Em alguns momentos, quando ele fechava os olhos, Clara surgia em sua mente. Certamente, estava apavorado com a viagem, entretanto, mantinha-se firme. Sabia que enfrentaria perigos, mas era preciso completar sua missão o quanto antes, afinal, segundo ele imaginava, a vida de Cecília dependia disso.

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