CAPÍTULO 5
O homem caído à beira do caminho
Depois de sobrevoar toda a extensão da Floresta dos Dragões, os adolescentes chegaram ao caminho de terra. Assim, desceram depressa para que Amizade pudesse descansar. Então, passado pouco tempo, continuaram a pé rumo à Estalagem do Sossego.
— Como você está se sentindo? — perguntou Nestor percebendo que Cecília estava pálida.
— Ainda me sinto bonita — respondeu a menina bem humorada.
— Isso não é realmente importante “Ciça”. Digo… esse negócio de ser bonita. Eu mesmo não ligo muito para a aparência.
Logo, Cecília encarou Nestor. Na verdade, ele tinha uma aparência comum, não era bonito como seu irmão Aladar. Mas mesmo assim, era uma figura carismática, com seus olhos inteligentes e um jeito sempre engraçado de falar.
— Eu sei que o Rei que habita nos céus não olha para nossa aparência física… — reconheceu Cecília. — Mas, para o nosso interior.
— Depois da morte de Clara — continuou a menina esforçando-se para não chorar —, minha mãe me ensinou que toda beleza deste mundo… algum dia envelhece… quer dizer, murcha e morre. Mesmo sabendo disso… não quero perder meus cabelos. Você entende?
Nestor olhou-a com sentimento de piedade.
— Não pense nisso agora! — disse o garoto. — Um dia quando formos embora daqui… bem, neste dia veremos a face do Rei e ficaremos com Ele para sempre. Lá você verá novamente sua irmã… e as doenças deixarão de existir.
— E eu nunca mais ficarei feia — disse Cecília com uma entonação na voz que provocou risos em Nestor.
Depois ficou pensativa por um momento e afirmou com uma expressão aliviada no rosto:
— É verdade. Eu confio nesta promessa registrada no Livro do Rei.
Então, passados mais alguns minutos, Amizade, subitamente, relinchou alto.
E quando Nestor e Cecília olharam para o canto da estrada de terra perceberam um homem caído.
Tratava-se de um senhor que aparentava ter quase 70 anos, o qual possuía cabelos crespos, roupas rasgadas e muitas feridas pelo corpo. Ele reclamava baixinho de dor, mas não abria os olhos.
— Vamos levá-lo para a Estalagem — disse Cecília sem pensar duas vezes.
— Mas como? Não podemos — respondeu Nestor agitado. — Precisaríamos colocá-lo sobre Amizade e nós mesmos teríamos que andar a pé até lá. Isso nos atrasaria muito. E se formos atacados novamente pelos bandidos?
— Mas isso é egoísmo, Nestor. Ele está sofrendo — argumentou Cecília sentindo compaixão do idoso.
— Olha… eu queria ajudar. Mas nem sabemos se ele está bêbado ou não. Como eu disse… ainda podemos ser atacados.
— Ele é que parece ter sido atacado — replicou a menina. — Não deve ter conseguido escapar dos bandidos, mas nós conseguimos e por isso devemos socorrê-lo.
— Claro. Vamos ajudar. Assim que chegarmos na pousada mandaremos alguém para resgatá-lo.
— Mas não é isso que aprendemos no Livro do Rei. E se fosse você no lugar dele? — insistiu Cecília. — Não ia querer ser resgatado o mais rápido possível?
— Tudo bem, tudo bem — suspirou Nestor, enfim, percebendo que Cecília tinha razão. — Me ajude a levantá-lo.
Assim, eles puseram o idoso sobre Amizade e trataram de suas feridas usando óleo e ervas anti-sépticas que estavam na bagagem.
Em seguida, partiram. Mas em pouco tiveram outra surpresa no caminho… pois depararam-se com a Estalagem do Sossego.
A estrutura do local assemelhava-se a de uma fortaleza compacta. O muro da frente era extremamente alto, contendo uma torre em cada extremidade, sendo uma à direita e outra à esquerda, de onde os guardas vigiavam toda a movimentação externa.
Os adolescentes estavam em frente ao portão de madeira maciça que ficava no centro do paredão. E levaram um susto quando uma portinhola de madeira, até então imperceptível, abriu-se perto deles.
— De onde vocês vem?
— Da Vila da Humildade — respondeu Nestor tomando a palavra. — Estamos viajando para a Cidade Edificada sobre o Monte e desejamos passar a noite aqui.
— Vocês tem dinheiro? — questionou novamente a voz masculina.
— Temos — disse Nestor apontando para as malas. — Está na bagagem.
Assim, os portões abriram-se e eles puderam entrar.
Lá dentro avistaram uma grande área gramada e um caminho de pedras que levava até o imóvel no centro do terreno.
Ao chegarem na recepção, Nestor e Cecília pagaram não somente o aluguel de um quarto, mas também para que os funcionários da hospedagem cuidassem do idoso que haviam resgatado em um local próprio para pessoas doentes. Já a égua Amizade ficou na estrebaria junto com os outros cavalos de hóspedes.
***
Já havia escurecido quando Aladar e Isla, enfim, chegaram diante do sólido portão de madeira da Estalagem do Sossego.
O recepcionista do portão reconheceu-os por meio de descrições físicas deixadas por Nestor, então, o homem recebeu-os sem perguntas.
Mas, quando chegaram no hall da estalagem, logo, um homem de baixa estatura aproximou-se deles perguntando:
— Você é Aladar?
— Parece que todos já me conhecem — respondeu o rapaz apertando a mão do sujeito.
— Nestor me pediu para te levar ao quarto assim que chegasse. A garota está ardendo em febre.
Eles apressaram-se. E após entrarem no quarto, Aladar logo abraçou Nestor. Depois, foi até a cama e tentou erguer Cecília, passando os braços por trás de suas costas.
A menina transpirava excessivamente enquanto dormia. Ao tocar nos cabelos dela com as pontas dos dedos pôde sentir os fios completamente encharcados de suor.
Isla achegou-se a Aladar e a Cecília passando a mão nos cabelos da menina em uma atitude de carinho. No entanto, um tufo ficou preso entre seus dedos.
— O que está acontecendo com ela? — perguntou a moça assustada.
— Enferrujamento! — respondeu o rapaz, mostrando a canela avermelhada da menina que até então achava-se escondida debaixo da barra da calça.
Isla esfregou a testa com a mão esquerda.
— Coitadinha…
— Por isso estamos indo para a Cidade Edificada sobre o Monte. Precisamos encontrar as famosas folhas medicinais para que ela seja curada.
Mas ao ouvir isto, Isla ficou ainda mais chocada, levando imediatamente sua mão à boca.
— Eu… eu também preciso dessas folhas!
— Você também está doente? — indagou Aladar soltando Cecília sobre o leito da cama e pondo-se de pé.
Isla também levantou-se e encarando-o disse:
— Preciso te contar uma coisa…
Ela, então, aproximou-se posicionando seu rosto bem perto do dele. Aladar engoliu seco imaginando que ela queria beijá-lo.
— Está vendo este meu olho meio branco? — perguntou séria.
— Sim, nunca havia visto alguém assim… quero dizer, com olhos em tons diferentes — respondeu Aladar confuso.
— Pois é… estou ficando cega! — revelou a moça. — Já não enxergo praticamente nada com este olho pálido… só vejo com o outro olho. Por isso, também preciso das folhas medicinais.
— Então era mesmo para você ter cruzado nosso caminho! — interrompeu Nestor. — Só pode ter sido o Rei que está nos céus quem te trouxe até nós.
— Estou começando a acreditar nisso… — disse Isla baixinho enquanto olhava para o garoto.